Entrevista a Joel Reis

Quais são as recordações mais presentes que tem do Colégio?

Confesso que seria precisa uma resma de papel para escrever uma lista resumida dessas recordações. O Colégio recebe-nos e cresce connosco durante um período das nossas vidas em que tudo parece ter um impacto desmedido. Falo de eventos (discutivelmente) insignificantes, como a antecipação cronometrada ao toque da campainha durante as aulas, a explosão de alegria quando uma televisão empurrada num móvel sobre rodas entrava pela sala adentro, as corridas desenfreadas para a fila do almoço e para o bar, as esporádicas varreduras dos espaços exteriores, o desalento por não se gostar da ementa, as odisseias de resgate duma bola lamentavelmente chutada para fora do perímetro do Colégio, e as rivalidades ingénuas entre turmas do mesmo ano. Há depois os momentos de confraternização com os colegas fora e dentro da sala de aulas e, obviamente, as muitas peripécias e (alguns) momentos sérios envolvendo os professores, as irmãs e os funcionários.

Quais são os colegas, professores, irmãs e/ou funcionários que mais marcaram as suas memórias? Porquê?

Logo nos meus primeiros dias no Colégio, recordo-me duma vez em que, durante um recreio em que eu ainda memorizava os passos dados, uma funcionária me chamou pelo nome. “Como é que a senhora já sabe o meu nome”, perguntei a mim mesmo, admirado tanto mais pelo facto de eu desconhecer o nome dela. Depressa vim a perceber que todos os outros funcionários eram dotados do mesmo peculiar talento: saber todos os nomes individualmente de cada aluno do Colégio. Falando a brincar, acho que nunca vou querer desvendar este mistério. Esta memória espelha o meu sentimento (antes e agora) para com os funcionários: uns breves desconhecidos, que subitamente tomamos consciência serem uma presença amistosa, de certa forma reconfortante, e um pilar fundamental do bom funcionamento do Colégio. É de louvar, especialmente, a sua destreza espontânea em conseguir pôr na ordem bandos de crianças em constante tumulto.

As irmãs eram igualmente figuras omnipresentes, embora mais discretas, mas sempre afáveis, e com um sentido de missão persistente que, estou certo, muito contribui para o desenvolvimento pessoal dos alunos ao nível dos princípios de honestidade e integridade. Algumas das minhas recordações mais lúcidas com as irmãs incluem a aprendizagem do meio-ponto e ponto-de-cruz nas aulas de Educação Visual e Tecnológica, a visualização e discussão de filmes inesperadamente incríveis nas aulas de Educação Moral, e a sua presença regular nos jardins, onde cuidavam das flores com dedicação inspiradora, ocasionalmente frustrada por uma bola com destino incerto.

Sinceramente, é impossível ser justo a tentar nomear um ou outro professor mais marcante. Enquanto frequentamos o Colégio, é natural catalogar os professores por preferência porque as (boas e más) emoções vividas são recentes e não perdemos tempo a processá-las. Passado todo este tempo desde que saí do Colégio, essas diferenças praticamente dissiparam-se ou deixaram de fazer sentido. Agora, quando tenho a oportunidade de visitar o Colégio, como sucedeu há seis anos, vou garantidamente com o objectivo de ver tantas caras conhecidas quanto possível. Creio que este propósito é, por si só, marcante e reflecte a estima que ex-alunos têm pelos professores.

A escola por onde passamos marca inevitavelmente a pessoa que somos. Qual foi a influência que o Colégio teve no seu percurso profissional e pessoal?

Definitivamente que marca. Profissionalmente, moldou os meus hábitos de organização e planeamento. Lembro-me, por exemplo, que uma pequena percentagem da nossa avaliação (nalgumas disciplinas) era dedicada ao nosso caderno. Essencialmente, era tida em conta a composição dos nossos apontamentos. Isto pode parecer irrelevante, mas acaba por fazer a diferença no decorrer do nosso percurso académico: quanto mais eficientes e organizados formos durante as aulas, mais competente é a nossa preparação para os exames e derradeiras avaliações. Destaco também a auto-avaliação, um processo fundamental para induzir à autocrítica. É indispensável conhecer e saber lidar com as nossas limitações, bem como saber detectar os pontos fracos dos nossos métodos de estudo e de trabalho. O Colégio ensinou-me que a escola não serve para penalizar e rebaixar o aluno, mas sim para guiá-lo no rumo certo, cultivar e fazer valer os seus interesses.

“Escuta com o Coração, Cuida da vida com Esperança” é o tema inspirador das atividades do Colégio este ano letivo. Encontra alguma relação entre este tema e o seu percurso de vida?  

Sim, claro. Actualmente, é comum achar-se que existe uma espécie de relógio da vida sob o qual tudo está cronometrado e estipulado à partida. As pessoas em geral, e alunos em particular, sentem muita pressão e angustiam-se facilmente porque acreditam estar a “perder o comboio”, isto é, já deviam ter feito isto ou aquilo que aqueloutro acabou de fazer. Esta percepção, por sua vez, instiga o medo de falhar porque erradamente se associam falhas com perdas de tempo em vez de desenvolvimento pessoal. É perfeitamente normal que os alunos venham a descobrir que, afinal, não têm assim tanto interesse numa área que julgavam vir a ser parte integral do seu futuro. Aconteceu-me. Não faz mal nenhum. Sublinho também o facto de que não existe idade para se tirar um curso. Em suma, o tema deste ano lectivo deve ser interpretado como um antídoto para os frenéticos tempos modernos. Eu tento ter esta abordagem tanto na minha vida pessoal como profissional. Claro que nem sempre tudo é simples porque a vida tem muitas ramificações. Afinal de contas, precisaremos sempre todos uns dos outros. É preciso ter calma.

Se lhe pedíssemos para deixar uma mensagem aos nossos atuais alunos, o que lhes diria?

Cada vez mais, parte do nosso sucesso (pessoal e profissional) reflecte-se na forma como lidamos com os outros, como apresentamos as nossas ideias, e como nos expomos. A tecnologia tem vindo a tomar lugares de destaque, a um ritmo avassalador, em virtualmente todas as áreas da sociedade. Por conseguinte, existe um sentimento pessimista de que a tecnologia é um atalho para os nossos objectivos, tornando-nos assim preguiçosos, e que está aí para nos “substituir” ou para desvirtuar os nossos esforços. Porém, devemos olhar para a tecnologia com uma atitude positiva, como uma ferramenta da qual podemos tirar partido para alavancar as nossas ambições. Aos actuais alunos do Colégio recomendo que estimulem e apostem (ainda) mais na vossa capacidade oral, que não se acanhem, e que se preparem para uma realidade na qual, muito provavelmente, as vossas competências ao nível do pensamento crítico e do trabalho em grupo vão ser determinantes.

Joel Reis, Professor Auxiliar na Universidade de Macau
Último ano no Colégio: 2005